Quatro Lições da Primeira Cúpula das Cidades das Américas

De grandes metrópoles como o Rio de Janeiro, no Brasil, e a Cidade do México, no México, a municípios menores como Peñalolén, no Chile, e Upala, na Costa Rica, as cidades têm a chave para resolver algumas das maiores ameaças que enfrentamos atualmente nas Américas e em todo o mundo.

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Imagem: Prefeitos de todas as Américas comemorando a promulgação da Rede de Cidades Antirracistas e do Pacto de Cidades Antirracista.

De grandes metrópoles como o Rio de Janeiro, no Brasil, e a Cidade do México, no México, a municípios menores como Peñalolén, no Chile, e Upala, na Costa Rica, as cidades têm a chave para resolver algumas das maiores ameaças que enfrentamos atualmente nas Américas e em todo o mundo. Essa foi a mensagem central que enquadrou dezenas de painéis e discussões na primeira Cúpula das Cidades das Américas, realizada de 26 a 28 de abril em Denver, Colorado, Estados Unidos. Como Editor Associado da Global Americans—e residente de Denver—tive a oportunidade de participar da conferência e ouvir de mais de 200 prefeitos de 35 países da América Latina, bem como de vários líderes de instituições multilaterais, organizações sem fins lucrativos, sociedade civil e do setor privado. Estas são as minhas quatro principais conclusões ao participar da primeira Cúpula das Cidades:

  1. Cidades São Essenciais na Luta Contra as Mudanças Climáticas

A região da América Latina e do Caribe abriga mais de 40% da biodiversidade do mundo e quase um terço de seus recursos de água doce. As Américas também possuem alguns dos países com maior biodiversidade do mundo, como o Brasil, a Colômbia, o Equador, o México, o Peru, a Venezuela e os Estados Unidos. Conforme destacado durante a Cúpula, esse amplo estoque de capital natural deve oferecer à região uma oportunidade sem precedentes para enfrentar as mudanças climáticas e se envolver com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. 

Muitas discussões se concentraram em como financiar adequadamente projetos climáticos, especialmente quando questões como crime, saúde e educação geralmente têm prioridade em cidades e municípios com recursos limitados. De acordo com um painel do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cidades de médio e pequeno porte nas Américas enfrentam desafios para financiar e garantir recursos para projetos climáticos. Ao mesmo tempo, pesquisas de outros acadêmicos demonstraram que prefeitos devem integrar o planejamento emergente e implementar esquemas como as Soluções Urbanas Baseadas na Natureza (NbS), que contribuem de forma crítica para a resiliência e a conservação dos ecossistemas naturais.

Uma das sessões mais ativas da Cúpula tratou de outra abordagem que cidades podem adotar para lidar com as mudanças climáticas: o engajamento em uma economia circular. De acordo com o Secretário Geral do ICLEI-Governos Locais pela Sustentabilidade, a adoção de uma estratégia de “Desenvolvimento Circular” pode ajudar cidades a atingir metas climáticas, melhorar sua biodiversidade, aumentar os benefícios sociais para seus cidadãos, proteger seus materiais críticos e estimular suas economias locais. Prefeitos de Niterói, no Brasil, Renca, no Chile, e Monterrey, no México, compartilharam exemplos de como suas cidades empregaram tais princípios recentemente. Todos concordaram unanimemente que os municípios são essenciais na implementação dos ODSs.

  1. Governos Municipais São Vitais na Recepção e Integração de Migrantes e Refugiados

A América Latina é uma região de origem, trânsito e destino de migrantes há séculos. Atualmente, muitos países enfrentam grandes desafios com relação ao movimento de pessoas através de suas fronteiras. Embora a migração possa contribuir enormemente para o desenvolvimento econômico e introduzir um grande fluxo de habilidades e conhecimentos, também pode gerar tensões sociais e políticas, uma vez que muitas cidades e municípios normalmente não se encontram preparados para acomodar grandes fluxos de migrantes e refugiados.

A abordagem da migração foi outro tema central durante a Cúpula das Cidades, na qual múltiplos prefeitos, líderes da sociedade civil e chefes de organizações multilaterais compartilharam suas experiências com os efeitos da migração na América Latina e seus sucessos e fracassos com programas e políticas correspondentes. A Organização dos Estados Americanos (OEA), por exemplo, organizou um painel sobre o papel das cidades na recepção e integração de refugiados em suas comunidades locais. Foi inspirador ouvir que cidades como Montevidéu, no Uruguai, trabalham ativamente no desenvolvimento de políticas de capacitação para refugiados e migrantes, enquanto cidades como Boston, nos Estados Unidos, abrigam mais de 200 mil imigrantes (de um total de 690 mil cidadãos). No entanto, a conversa também destacou o desafio que muitas regiões enfrentam. Embora muitos países da América Latina e do Caribe tenham oficialmente leis para proteger os refugiados, muitas vezes tais regulamentações não chegam a ser aplicadas na prática—seja porque os governos não têm a capacidade de aplicá-las integralmente ou porque foram criadas apenas para fins simbólicos. Em alguns países, no entanto, há muito poucas ou nenhuma política nacional estabelecida para a migração, o que pressiona os governos locais a encontrarem suas próprias soluções.

O painel da OEA (assim como vários outros durante a Cúpula das Cidades) serviu como um espaço em que os líderes puderam se envolver em conversas sobre as melhores maneiras de criar estruturas abrangentes para a integração dos migrantes na sociedade, entre elas o acesso à educação, à saúde e às oportunidades de emprego. Embora a Declaração de Los Angeles sobre Migração e Proteção tenha embasado muitas destas discussões, houve um alto nível de inovação e objetividade compartilhado pelos líderes locais ao abordarem questões abrangentes de migração na América Latina.

  1. A Transparência Paga Dividendos

A promoção de transparência em governos municipais é um princípio fundamental da boa governança e essencial para a geração de confiança com cidadãos e eleitores. Transparência governamental pode ter vários significados para muitas pessoas, mas para os líderes que participaram da Cúpula das Cidades, ela envolve fornecer aos cidadãos informações necessárias para que tomem decisões bem informadas sobre suas vidas, comunidades e governos. Em um painel organizado pela Open Government Partnership, prefeitos de cidades como Peñalolén, no Chile, e Santo Domingo de Los Tsáchilas, no Equador, deram ilustrações vívidas de como seus governos contribuem para melhorar a transparência em seus municípios. Exemplos incluem sites do governo que mostram aos residentes todas as obras de construção em andamento em suas cidades, plataformas que retratam os efeitos da mudança climática em seus municípios e a criação de iniciativas para ouvir as necessidades dos cidadãos com relação a emergências de saúde pública.

A conclusão dos líderes municipais e da sociedade civil presentes no painel foi que quanto maior a transparência, melhores serão as políticas públicas em suas cidades. Eles explicaram que iniciativas municipais semelhantes ajudam a evitar a disseminação de informações falsas e geram confiança no governo da cidade. Elas também oferecem o benefício adicional de promover programas de educação cívica para aumentar a conscientização e a participação política entre as comunidades marginalizadas. No entanto, uma dimensão em que os líderes poderiam ter se aprofundado é sobre os mecanismos necessários para desenvolver a capacidade técnica de implementar tais práticas transparentes em suas cidades. Conforme argumentado durante os painéis, fatores culturais, como a falta de confiança entre cidadãos e suas autoridades, podem se revelar um grande desafio para os municípios. Portanto, a expansão de uma lente técnica e programática sobre como prefeitos conseguiram implementar programas bem-sucedidos em suas cidades poderia ter sido ainda mais benéfica para todos os participantes da Cúpula.

  1. Estruturas Municipais Devem Priorizar Grupos de Minorias

Um dos resultados mais significativos da Cúpula das Cidades foi o anúncio da Rede de Cidades Antirracistas e do Pacto de Cidades Antirracistas. Lançadas pelo prefeito do Rio de Janeiro, no Brasil, as iniciativas avançam o trabalho de diversas cidades brasileiras que se uniram para colaborar em planos antirracistas. De acordo com o prefeito, o objetivo é promover a inclusão na governança e no planejamento municipal e, ao mesmo tempo, compartilhar as melhores práticas para combater o racismo com todas as outras cidades membros que assinaram o Pacto.

As Américas abrigam uma grande variedade de grupos de minorias – como migrantes, afro-latinos, mestiços, mulatos e comunidades indígenas—que frequentemente enfrentam níveis mais altos de discriminação, marginalização, violência e falta de acesso a recursos e oportunidades. A Cúpula fez um bom trabalho não apenas representando os líderes dessas comunidades, mas também reconhecendo e celebrando as contribuições desses grupos de minorias para a cultura e a sociedade latino-americanas por meio de painéis múltiplos e diversificados. A conferência foi uma prova clara do compromisso incansável dos organizadores com a promoção de diversidade. De líderes indígenas a autoridades afrodescendentes, a Cúpula das Cidades escolheu meticulosamente uma gama diversificada de palestrantes para cada painel e discussão, deixando uma marca permanente em seus participantes.

Conclusão 

Prefeitos desempenham um papel crucial na conexão com seus cidadãos e nas respostas às preocupações de suas comunidades em tempo hábil. Um governo municipal eficaz promove a confiança e a credibilidade dentro das comunidades e, de acordo com diversos prefeitos que discursaram durante a Cúpula, são geralmente a principal forma de interação das pessoas com o governo nas Américas. Em suas considerações finais durante um painel sobre participação e inclusão do cidadão, uma líder da sociedade civil representando a cidade de Los Angeles resumiu admiravelmente o que muitos outros líderes vinham deliberando desde os primeiros pronunciamentos da conferência: “O serviço público não deve ser um exercício teórico. Os menos favorecidos precisam sentar-se à mesa. Suas necessidades não podem ser assumidas por políticos que estão distantes do problema”. A primeira Cúpula das Cidades das Américas provou ser mais do que apenas um exercício teórico – líderes de cidades grandes e pequenas de todas as Américas puderam absorver as práticas mais eficientes em questões como migração, mudança climática e inclusão social e levar essas lições para suas comunidades. Daqui para frente, a esperança é que estes debates não se percam simplesmente no caminho, mas se transformem em ações efetivas e transformadoras para os cidadãos das Américas.

Caio Pereira é Editor Associado da Global Americans. Anteriormente, ele trabalhou ou estagiou em organizações como a Brookings Institution, o Programa de Desenvolvimento da ONU e o Frederick S. Pardee Center for International Futures. É mestre em Desenvolvimento Internacional pela Josef Korbel School of International Studies da Universidade de Denver e bacharel em Ciência Política e Desenvolvimento Internacional pela Universidade do Estado do Colorado.

  

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